A relação com a rua, o jogo e o público
É necessário que alguns treinamentos, exercícios e ensaios de um grupo de Teatro de Rua, sejam realizados em espaços públicos, praças, ruas, etc. Essa experiência vai consolidar conquistas do repertorio experimentado em sala, construído só entre o atores. Isso por que é na rua que teremos condições de vivenciar a relação com o espaço e o público.
Dessa forma, o grupo vai constatar que, o elaborado em sala, ao ser experimentado na rua, necessita ser hiperdimensionado, exigindo maior potencial, energia, dinâmica e jogo. Assim como, a própria corporeidade e dinâmica individual de cada ator, exigem outras possibilidades, ou mesmo que, o que foi alcançado até então seja ampliado e busque novos contornos de acordo com as exigências do espaço.
O ator na rua está em permanente mutação, movimento, escrita de suas possibilidades expressivas, pois ele vai para a cena em dialogo permanente com o outro, o espaço, as situações que a cidade vai imprimi, ou seja, é um ator desbravando, buscando e sendo buscado, um ator brincante.
Exercícios
1° Ao chegar ao espaço, pedi que olhasses todo ele, tanto em sua totalidade (dimensão, formato, atividades) como em suas nuances e particularidades (objetos, texturas, iluminação, barulhos, sons). Em seguida eles iriam escolher um local da praça para ficar posicionado
Esse primeiro momento, é de encontro com seu lócus criativo, o artista de rua quando vai para uma praça e abrir roda, ele investiga esse local, o reconhece, interagi anteriormente com suas possibilidades, verifica suas dinâmicas, para então perceber qual o lugar vai abrir sua roda e instaurar seu jogo com o público.
2° No lugar em que escolheram cada ator vai observar o horizonte e resgatar na memória tudo que vivenciou no seu dia, desde a hora o acordar até o momento de está ali naquela praça, em atividade. Ao mesmo tempo em que trabalhar sua respiração.
Contraditoriamente na rua trabalhamos tanto essa relação expandida com o espaço e pessoas, como também essa percepção individual de si mesmo no espaço, sua conexão consigo mesmo precisa está forte e definida, para que estabeleça uma relação com o externo. Parece confuso atestar que possa não existir uma conexão consigo mesmo, mas muitas vezes o ator/atriz vai para cena, muito frágil com sua concentração, respiração, olhar, memória e corpo, assim, muitas vezes se perde no olhar e no jogo. É uma qualidade a mais para ator/atriz quando o público percebe nele um domínio de sua destreza, relação pessoal com a roda e tempo de agir e pensar.
3° Trabalho com articulação, cabeça, braços, tronco, pés, ombro, pélvica, coluna, joelhos. Trabalho com oposições das regiões do corpo, ex: braço para um lado e braços para o outro, coluna e cintura, etc.
Esse é um trabalho introdutório de investigação do corpo, já potencializado para o equilíbrio precário e o próximo exercício.
Andar pelo espaço, experimentando o equilíbrio precário, a movimentação das articulações, a relação do olhar com o espaço e disponibilidade para o jogo, reconhecendo a posição de aber: tura do plexo solar.
4° Exercício do côro e corifeu, utilizando diferentes variações: Juntos no espaço, Separados na praça, movimentos grandes e expandidos, movimentos pequenos e sutis, observar como cada variação dessa funciona com o público e o espaço,variações de sons.
No diário da atriz Joice Paixão ela descreve as sensações vivenciadas no encontro
"A motivação nos dá o alicerce necessário para o que é proposto.
Quando me foi solicitado relembrar o que fiz durante o dia, me deixo perceber o quanto é importante o que faço, falo, penso e trato.
Alongo meu corpo e nesse período presenteado e por vezes imperceptível, percebo meu corpo travado, imposto à má postura, a inadequação lombar. Preciso do meu corpo, assim como de minha mente. Ponho-me de prontidão e vejo que preciso de mais... mais amor, mais cuidado, mais caridade e atenção com minha estrutura física. Preciso lembrar que ao andar, tenho que colocar a planta do pé por inteiro no chão, ficar em prontidão, SEMPRE.
Começo a andar com a bacia na barriga e imagino que ela está cheia de água e que devo ter cuidado pra que ela não derrame, mas que, a qualquer momento será solicitado que deverá cair toda a água. É nesse momento que de todas as partes do meu corpo a água sai... coluna, joelho, cabeça, braço, etc. Acontece simultaneamente os impulsos e os recolhimentos. Buscamos a tridimensionalidade.
Exercitamos também o coro e o corifeu e nesse momento precisamos ficar atentos e perceber o outro, seus movimentos e respiração. Nada pode ser feito se um deles ficar para trás. O corifeu muda até com o olhar."
5° Trabalho com o texto, utilizando diferentes intenções e jogo, diferentes distancias entre os atores. Nesse trabalho os atores podem utilizar vários textos, de preferencia de diálogos curtos, para que os atores, experimentem, o jogo, ritmo e tempo. Também variando a distancia entre os atores, para que experimentem a voz e relação com o espaço
De acordo com o relato do ator e pesquisador Iure Lira: “Na experiência de treinamento realizado na praça, vivenciamos elementos corporais, como lateralidade, rompimento com a frontalidade, níveis de conexão com o outro, o espaço e o público. Ocorre a exigência de sairmos de nossa zona de conforto, sabendo nos relacionar com o turbilhão de provocações que a rua carrega, contudo, sem nos distrairmos, mas jogarmos com tudo isso. Para mim é a melhora na forma e postura de fazer o Teatro de rua, exigindo maior generosidade com o outro e com a plateia.”